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Santo Atanásio de Alexandria (295-373).

Sobre a divindade do Espírito Santo.
Carta de Santo Atanásio a Serapião
Santo Atanásio de Alexandria (295-373).
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Entre as obras deste grande Padre da Igreja, que em boa parte estão ligadas às vicissitudes da crise ariana, recordamos também as quatro cartas que dirigiu ao amigo Serapião, bispo de Thmuis, sobre a divindade do Espírito Santo, nas quais é afirmada com clareza

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Sobre a divindade do Espírito Santo.
Carta de Santo Atanásio a Serapião
Santo Atanásio de Alexandria (295-373).

A carta de tua Caridade me foi entregue no deserto. E embora fosse cruel a perseguição deflagrada contra nós, pelos que nos querem desgraçar, consolou-nos com tua carta "o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação" [2]. Trazendo-me à lembrança tua caridade e meus sinceros amigos, parecia-me que estáveis todos juntos a mim. Alegrei-me, sim, vivamente com a recepção de tua carta. Mas ao ler o conteúdo senti-me de novo esmorecer pela notícia dos que deliberam dedicar-se a lutar contra a verdade.

Com efeito, prezado amigo, tu me escrevias afligido também por esses que, apesar de separados dos arianos quanto à blasfêmia contra o Filho de Deus [3], fomentam pensamentos hostis contra o Espírito Santo, pretendendo-o não apenas criatura mas até um dos espíritos servis [4], distinto dos anjos tão-somente por grau. Ora, isto é simples oposição simulada aos arianos, e na verdade contradiz à santa fé. Da mesma forma que os arianos, negando o Filho, negam o Pai, esses também, desacreditando o Espírito Santo, desacreditam o Filho. São duas facções que se repartem a insurreição contra a verdade para desembocarem na mesma blasfêmia contra a Trindade, atacando uns o Filho, outros o Espírito.

Considerando isto e refletindo muito, senti-me deprimido, pois de novo conseguiu o diabo zombar dos que contrariam sua loucura. Tinha decidido calar-me em tais circunstâncias; entretanto, coagido por tua Reverência e por causa gente, redigi a presente carta, completes no que talvez falte, a refutação da ímpia heresia.


Quanto aos arianos, inicialmente, tem-se que essa opinião não é estranha a eles. Pois uma vez que negaram o Verbo de Deus, é natural que vociferem também contra seu Espírito. Por isto não será preciso dirigi-lhes refutações em acréscimo às feitas precedentemente. [5]


Quanto aos que erram sobre o Espírito, convirá proceder de certo "modo" - como diriam eles mesmos [6] - no propósito de responde-lhes. Poderíamos espantar-nos de seu disparate: não querem que o Filho de Deus seja uma criatura - e nisto pensam corretamente - mas então como suportam ouvir que o Espírito do Filho é uma criatura? Se, em razão da unidade do Verbo com o Pai, não querem que o Filho seja uma das coisas chegadas à existência, mas pensam, com razão, ser ele o artífice [7] das obras (divinas), por que então ao Espírito Santo, que possui com o Filho a mesma unidade que este com o Pai, chamam criatura? Por que não reconheceram que, se não separando do Pai o Filho, salvaguardam a unidade de Deus, separando do Verbo o Espírito já não salvaguardam mais a única divindade da Trindade, mas a dividem, inserindo-lhe uma natureza estranha, de outra espécie, e acarretando assim igualdade com as coisas criadas? Além disto, tal concepção não apresenta a Trindade como uma realidade única, mas como constituída de duas diversas naturezas, se difere, conforme pensam, a substância do Espírito. Que idéia de Deus há de ser esta, formada de Criador e criatura? Ou bem já não há Tríade, mas Díade com uma criatura, ou, se há Tríade, como de fato há, por que põem entre as criaturas, que vêm abaixo da Tríade, o Espírito da Tríade? Tal seria, mais uma vez, dividir a Trindade [8].


Funesta a respeito do Espírito Santo, sua doutrina também não é boa a respeito do Filho, pois se aqui fosse correta, sê-Ia-ia igualmente a respeito do Espírito, que procede do Pai e que, sendo próprio do Filho, vem dado por este a seus discípulos e a todos os que crêem nele. Desta forma desgarrados, não poderão enfim ter uma fé sadia a respeito do Pai, porque os que resistem ao Espírito como dizia o grande mártir Estevão [9] - negam o Filho, e negando o Filho já não têm o Pai.


Por que todo esse desvario? Em que lugar das Escrituras acharam a designação de anjo dada ao Espírito? Não é preciso que repita agora o que já disse alhures. Ele foi chamado Consolador, Espírito de filiação, Espírito de Deus, Espírito do Cristo. Em parte alguma, anjo, arcanjo, espírito ministrante - como o são os anjos; ao contrário, é ele mesmo ministrado por Gabriel, que disse a Maria: "o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra" [10]. Se as Escrituras não chamam o Espírito um anjo, que excusa invocam aqueles tais para dizerem tal temeridade? Mesmo Valentim, que lhes inspirou a nefasta idéia, dava distintamente a um o nome de Paráclito e a outros o de anjos, ainda se atribuindo a todos a mesma" idade" [11].


O sentido das palavras divinas refuta absolutamente a linguagem herética dos que desatinam contra o Espírito. Eles porém, sempre hostilizando a verdade, tiram - conforme dizes - não mais das Escrituras, onde nada achariam, mas de seu próprio coração, o que eructam dizendo: se o Espírito não é criatura, nem um dentre os anjos, mas procede do Pai, é então filho, e neste caso ele e o Verbo são irmãos. Mas se é irmão, como o Verbo é unigênito? e como não são iguais, pois um é designado após o Pai e outro após o Filho? Se o Espírito provém do Pai, como não é também engendrado, e Filho, mas simplesmente "Espírito Santo"? Enfim, se é o Espírito do Filho, ter-se-á que o Pai é avô do Espírito. . .


São os gracejos que se permitem os infames, presunçosos no perscrutar as profundezas de Deus, a quem ninguém conhece senão o Espírito de Deus, vilipendiado por eles. Seria preciso não responder a eles, mas sim, conforme o preceito do Apóstolo [12], depois de os ter admoestado com palavras, como as que já escrevemos, recusá-las simplesmente como hereges; ou dirigIr-lhes perguntas dignas das que nos põem, exigindo da mesma forma as respostas. Digam-nos se o Pai também provém de outro pai, se um outro foi gerado com ele e se são assim irmãos, qual o seu nome, quem é seu pai, avô, quem seus ancestrais. Alegarão que a coisa não é esta. Pois bem, informem-nos como o Pai existe sem ter sido gerado por outro pai; como teve um filho sem ter sido gerado também como filho. Questão ímpia, por certo, mas os que se permitem tais remoques é justo serem tratados da mesma forma, para que o absurdo e a impiedade da questão os leve a perceber sua própria insensatez. Pois nada disso é verdade, Deus nos livre! e não se admite a colocação de tais questões sobre a Divindade. Deus não é como o homem para ousarmos pesquisar coisas humanas a seu respeito.


Aquele que não é santificado por outro, nem apenas participante da santificação, mas de cuja santidade participam as criaturas e se tornam santificadas, como seria um dentre as criaturas, da mesma forma que 0'S que dele participam? Para afirmá-la seria preciso dizer que também o Filho, por meio de quem todas as coisas foram feitas, é uma dessas coisas feitas.


O Espírito é chamado vivificante, pois a Escritura diz: "Aquele que ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos, vivificará também vossos corpos mortais por meio de seu Espírito, que habita em vós" [13]. O Senhor é a vida em si e "o autor da vida", conforme Pedra [14]; ora, o mesmo Senhor dizia: "a água que eu darei ao fiel se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna", e "ele dizia isto do Espírito, que deveriam receber os que crêem nele" [15]. As criaturas são vivificadas pelo Espírito; como então se aparentam a Ele, que não tem a vida por participação, mas é fonte de participação e vivifica as criaturas? Como poderia ser do número das criaturas, vivificadas nele pelo Verbo?


É também por meio do Espírito que nós participamos de Deus. Por isto diz s. Paulo: "não sabeis que sais ° templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo' de Deus, Deus o destruirá; pois ° templo' de Deus, que sais vós, é santo [16]. Se o Espírito fosse criatura, nós não teríamos, por meio dele, participação de Deus, estaríamos sempre associados à criatura, sempre estranhos à natureza divina, não participando dela em nada. Mas, se somos ditos participantes do Cristo e participantes de Deus, tem-se que a unção, o sigilo, que está em nós, não é de natureza criada, é da natureza do Filho, o qual, por meio do Espírito que nele está, nos une ao Pai. Foi o que João ensinou, já o dissemos, ao escrever: "Sabemos que permanecemos em Deus e ele permanece em nós, pois nos deu de seu Espírito" [17]. Ora, se pela participação do Espírito nós nos tornamos participantes da natureza divina, insensato será dizer que o Espírito pertence à natureza criada e não à de Deus.


Notas:
1 Serapião, bispo de Tmuis, no delta do Nilo, amigo e confidente de Sto. Atanásio.
2 2Cor 1,3.
3 A "blasfêmia contra o Filho de Deus" é aqui a negação de sua divindade, pelos arianos.
4 cf. Hb 1.14 - "administratorii spiritus..."
5 Sto. Atanásio parece referir-se a seus Discursos contra os Arianos.
6 Alusão ao processo empregado pelos adversários, que viam nos textos bíblicos "medos" de falar ( “Tropi” ) , donde lhes veio o nome de Tr6picos.
7 “Dimiourgos” = Criador.
8 “Trias”, a palavra grega empregada, ora traduzimos por Tríade, ora por Trindade, para respeitar os matizes do contexto.
9 At 7,51.
10 Lc 1,35.
11 Conforme o gnostico alentim, quando o Paráclito foi enviado, foram enviados também os anjos da mesma idade. Di-la sto. Atanásio em passagem anterior desta carta, aqui suprimida, talvez apoiado em sto. Ireneu (Contra Her. I, 4,5).
12 Tt 3,10.
13 Rm 8,11
14 At 3,15.
15 Jo 7,39.
16 1Cor 3,165.
17 lJo 4,13.


Fonte:
GOMES, C. Folch Antologia dos Santos Padres.
São Paulo- Ed. Paulinas 1979

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