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Evágrio Pôntico (346-399).

Sobre os oito vícios capitais.
Evágrio Pôntico (séc IV).
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Fonte: VE Multimedios
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Evágrio do Ponto (ou Evágrio Pôntico, em grego Euagrios Pontikos; c. 346 no Ponto - 399/400 no Egipto) foi um escritor, asceta e monge cristão.
Evágrio dirigiu-se ao Egipto, a «Pátria dos Monges», a fim de ver a experiência desses homens no deserto, e acabou por se juntar a uma comunidade monástica do Baixo Egipto. Seguidor das doutrinas de Orígenes, foi por diversas vezes condenado – de facto, Evágrio teve importante papel na difusão do Origenismo entre os monges do deserto egípcio, tendo-se tornado líder de uma corrente monástica origenista.
Apesar disso, Evágrio trouxe um aspecto positivo para a Igreja. Da sua vivência com os monges, traçou as principais doenças espirituais que os afligiam – os oito males do corpo; esta doutrina foi conhecida de João Cassiano, que a divulgou pelo Oriente; mais tarde, o Papa Gregório Magno também ouviu falar nela, e adaptou-a para o Ocidente como os sete pecados capitais – a saber a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça (à qual Evágrio chamara de acédia).

Wikipédia.


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Sobre os oito vícios capitais.
Evágrio Pôntico (séc IV).
Tradução: Carlos Martins Nabeto
Fonte: VE Multimedios

Sobre os Oito Vícios Capitais
I. A Gula
II. A Luxúria
III. A Avareza
IV. A Ira
V. A Tristeza
VI. O Aborrecimento
VII. A Vanglória
VIII. A Soberba

I. A Gula



Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


I. A Gula (1)


Capítulo 1


A origem do fruto é a flor e a origem da vida ativa (2) é a moderação (3); quem domina o próprio estômago, diminui as paixões; pelo contrário, quem é subjugado pela comida, aumenta os prazeres.


Assim como Amalec é a origem dos povos, também a gula é a origem das paixões. Assim como a lenha é alimento do fogo, a comida é o alimento do estômago. Muita lenha proporciona uma grande chama e a abundância da comida nutre a concupiscência. A chama se extingue quando há menos lenha e a miséria de comida apaga a concupiscência.


Aquele que domina a boca, confunde os forasteiros e desata facilmente as suas mãos. Da boca bem coordenada brota uma fonte de água e a libertação da gula gera a prática da contemplação.


A estaca da tenda, atacando, matou a boca inimiga e a sabedoria da moderação mata a paixão (4).


O desejo de comida gera desobediência e uma deleitosa degustação afasta do Paraíso. As comidas saborosas saciam a garganta e nutrem o glutão de uma imoderação que nunca cochila.


Um ventre indigente prepara para uma oração vigilante; ao contrário, um ventre bem cheio convida para um longo sono.


Uma mente sóbria se alcança com uma dieta bem pobre, enquanto que uma vida cheia de delicadezas lança a mente no abismo.


A oração daquele que jejua é como um pintinho voando mais alto que uma águia, enquanto que a [oração] do glutão está envolta nas trevas. A nuvem esconde os raios do sol e a digestão pesada dos alimentos ofusca a mente.


Capítulo 2


Um espelho sujo não reflete claramente a imagem daquele que se põe diante dele e o intelecto, tonto pela saciez, não acolhe o conhecimento de Deus.


Uma terra não cultivada gera espinhos e de uma mente corrompida pela gula germinam maus pensamentos.


Como na lama não emana boa cheiro, tampouco no glutão é possível sentir o suave perfume da contemplação.


O olho do glutão explora com curiosidade os banquetes, enquanto que o olhar do moderado observa os ensinamentos dos sábios.


A alma do glutão enumera a lembrança dos mártires, enquanto que a do moderado imita os seus exemplos.


O soldado fraco foge ao som da trombeta que preanuncia a batalha; da mesma forma, o glutão foge dos chamados à moderação.


O monge guloso, submetido às exigências do seu ventre, faz questão de sua parte cotidiana. O caminhante, que caminha com afinco, alcançará logo a cidade e o monge glutão não chegará à casa da paz interior (5).


O vapor úmido do incenso perfuma o ar, tal como a oração do moderado deleita o olfato divino.


Se te abandonas ao desejo de comida, já nada te bastará para satisfazer o teu prazer; o desejo de comida, com efeito, é como o fogo que sempre envolve e sempre se inflama. Uma medida suficente enche o prato, mas um ventre mal acostumado jamais dirá: "Basta!". A extensão das mãos pôs em fuga a Amalec e uma vida ativa elevada submete as paixões carnais.


Capítulo 3


Extermina tudo o que for inspirado pelos vícios e mortifica fortemente a tua carne. Com efeito, uma vez morto o inimigo, este não mais produz medo; assim, um corpo mortificado não perturbará a alma. Um cadáver não sente a dor produzida pelo fogo; e, menos ainda, o moderado sente o prazer do desejo extinto.


Se matardes o Egípcio (6), esconda-o sob a areia e não engordes o corpo por uma paixão vencida; assim como na terra preparada germina o que está escondido, também no corpo gordo revive a paixão.


A chama que se reduz é reacendida quando a alimentamos com lenha seca e o prazer que está se atenuando revive com a saciedade da comida; não te compadeças do corpo que se lamenta pela carestia e não te agrades com comidas suntuosas; com efeito, se te reforças, encontrareis uma guerra sem trégua, que escravizará tua alma e te fará servo da luxúria.


O corpo indigente é como um cavalo dócil que jamais derrubará o cavaleiro; [o cavalo], com efeito, dominado pelas rédeas, se submete e obedece a mão daquele que as detém; assim, o corpo, dominado pela fome e vigília, não reage por um pensamento que o cavalga, nem relincha excitado pelo ímpeto das paixões.


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Notas:


1. Ao que hoje chamamos gula, Evágrio chamava gastrimargia, literalmente "loucura do ventre".


2. "Vida ativa" é a tradução mais próxima para praktiké, a disciplina espiritual que, segundo Evágrio, se encontra no princípio do processo de conformação com o Senhor Jesus e que tem por fim purificar as paixões da alma humana. A isto Evágrio dedica o seu "Tratado Prático".


3. Enkráteia é um conceito muito mais rico que o termo "moderação", se por este se entende apenas a virtude contrária à gula. Pela raiz krat, que significa "força" ou "poder", esta virtude implica "domínio de si" ou "senhorio de si".


4. Trata-se de uma comparação obscura, mas a mensagem é clara.


5. O termo usado por Evágrio é Apátheia, que em sua espiritualidade equivale ao estado de plenitude espiritual, alcançado mediante o domínio das paixões e o silenciamento do interior.


6. O "Egípcio" é o nome dado, pelos Padres do Deserto, a um demônio especialmente voraz na tentação.


II. A Luxúria


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


II. A Luxúria


Capítulo 4


A moderação gera a regra, enquanto que a gula é a mãe do desenfreio; o óleo alimenta a luz da lamparina e o freqüentar mulheres atiça a chama do prazer.


A violência da onda se desencadeia contra o mercador mal ancorado, assim como o pensamento da luxúria [se desencadeia] sobre a mente do imoderado. A luxúria virá aliada à saciez, lhe concederá licença, se juntará aos adversários e combaterá, finalmente, do lado dos inimigos.


Permanece invunerável às flechas inimigas aquele que ama a tranqüilidade (7); ao contrário, aquele que se mistura com a multidão recebe golpes continuamente.


O olhar para uma mulher é semelhante a um dardo venenoso: fere a alma, nos injeta veneno e, quanto mais perdura, tanto mais espalha a infecção. Aquele que busca defender-se destas flechas se mantém alheio das multitudinárias reuniões públicas e não divaga com a boca aberta nos dias de festa; é muito melhor ficar em casa, passando o tempo orando, do que fazer a obra do inimigo, crendo honrar as festas.


Evita a intimidade com as mulheres se realmente desejas ser sábio e não lhes dê liberdade para falar-te, nem confiança. Com efeito, no início têm ou simulam uma certa cautela; porém, a seguir, ousam fazer tudo descaradamente: na primeira aproximação, mantêm olhar baixo, falam docemente, choram comovidas, tratam seriamente, suspiram com amargura, fazem perguntas sobre a castidade e escutam com atenção; na segunda vez, levantam um pouco mais a cabeça; na terceira vez, aproximam-se sem muito pudor; tu sorris e elas se põem a rir desaforadamente; a seguir, se embelezam e se te mostram com ostentação; seus olhares passam a anunciar o ardor, levantam as sobrancelhas e os olhos, desnudam o pescoço e abandonam todo o corpo à fraqueza, pronunciam frases abrandadas pela paixão e te dirigem uma voz fascinante ao ouvido até apoderarem-se por completo da [tua] alma.


Ocorre que estas ciladas te encaminham à morte e estas redes entrelaçadas te arrastam à perdição; portanto, não te deixes enganar sequer por aquelas que se servem de discursos discretos; nestas, com efeito, se oculta o maligno veneno das serpentes.


Capítulo 5


Aproxima-te antes do fogo ardente que de uma mulher jovem, sobretudo se também sois jovem; com efeito, quando te aproximas da chama e sentis um bom calor, te levantas rapidamente, enquanto que, quando sois seduzido pelas conversas femininas, dificilmente conseguireis fugir.


A erva cresce quando está cercada pela água; assim, germina a imoderação freqüentando as mulheres.


Aquele que enche o ventre e faz profissão de sabedoria se parece com alguém que afirma ser possível frear a força do fogo usando palha. Assim como efetivamente é impossível apagar a mutável agitação do fogo com a palha, também é impossível limitar na saciedade o ímpeto inflamado da imoderação.


Uma coluna se apóia sobre uma base e a paixão da luxúria tem sua base na saciez.


O navio, presa da tempestade, se apressa em chegar ao porto e a alma do sábio busca a solidão; um foge das ameaçadoras ondas do mar, e a outra, das formas femininas, que trazem dor e ruína.


Um belo rosto de mulher afunda mais que um maremoto; mesmo assim, este último te oferece a possibilidade de nadar, para que salveis a vida, enquanto que a beleza feminina traz o engano e te persuade a desprezar inclusive a própria vida.


A sarça solitária se subtrai intacta à chama e o sábio, que tem consciência que deve manter-se afastado das mulheres, não incinde na imoderação; assim como a lembrança do fogo não queima a mente, também nem sequer a paixão tem êxito se lhe falta a matéria.


Capítulo 6


Se tens piedade para com o inimigo, esta será sempre tua inimiga; e se facilitas à paixão, esta se te revelará.


Ver mulheres excita o imoderado, enquanto empurra o sábio a glorificar a Deus; porém, se no meio das mulheres a paixão é tranqüila, não dês crédito a quem te afirma terdes alcançado a paz interior (8).


O cão abana o rabo justamente quando está no meio da multidão, mas quando é espantado, mostra a sua maldade. Apenas quando a recordação da mulher surgir em ti separada da paixão, então poderás considerar-te próximo dos confins da sabedoria. Ao contrário, quando a imagem dela te levar a vê-la e os seus dardos cercarem a tua alma, então poderás considerar-te afastado da virtude.


Porém, não deves manter-te assim, nesses pensamentos, nem tua mente deve familiarizar-se muito com as formas femininas, pois a paixão será reincidente, levando perigo junto a si.


Efetivamente, assim como uma fundição apropriada purifica a prata, enquanto que, quando prolongada, a destrói facilmente, assim uma insistente fantasia com mulheres destrói a sabedoria adquirida; não tenhas, portanto, familiaridade prolongada com um rosto imaginado, para que não se lhe adiram as chamas do prazer e venham a queimar a auréola que circunda a tua alma; assim como a faísca próxima da palha desencadeia as chamas, assim a lembrança da mulher, persistindo, acende o desejo.


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Notas:


7. Refere-se à paz interior, à tranqüilidade de recolhimento ou solidão, no caso do monge.


8. Trata-se, novamente, do termo Apátheia. Ver nota 5.


III. A Avareza


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


III. A Avareza (9)


Capítulo 7


A avareza é a raiz de todos os males e nutre, como arbustos malignos, as demais paixões, não permitindo que estas se sequem, eis que florescidas daquela.


Quem deseja exterminar as paixões, que arranque a raiz; se para o bem tu podas os ramos, a avareza, porém, permanece; [esta providência] não te servirá de nada, porque estes [ramos], apesar de terem sido cortados, rapidamente florescem.


O monge rico é como um navio extremamente carregado que é atingido pelo ímpeto de uma tempestade; assim como um navio que deixa entrar a água é posto à prova por cada onda, também o rico se vê submergido pelas preocupações.


O monge que não possui nada é, ao contrário, um viajante ágil que encontra refúgio em todos os lados. É como a águia que voa alto e que desce somente para buscar o seu alimento quando necessita; está acima de qualquer prova, ri do presente e se eleva às alturas, afastando-se das coisas terrenas e juntando-se às celestes; tem, efetivamente, asas ligeiras, jamais carregadas pelas preocupações; sobrepassa a opressão e deixa o lugar sem dor; a morte chega e ele vai com ânimo sereno; a alma, com efeito, não está amarrada a nenhum tipo de atadura.


Quem, ao contrário, muito possui, se submete às preocupações e, como o cão, está preso à corrente e, se é obrigado a ir embora, leva consigo, como um grave peso e inútil aflição, a lembrança das suas riquezas, é vencido pela tristeza e, quando pensa nisso, sofre muito em perder as riquezas e se atormenta com o desânimo.


E quando lhe chega a morte, abandona miseravelmente suas tendências, entrega a alma, embora o olho não abandone os negócios; de má vontade é arrastado como um escravo fugitivo; se separa do corpo, mas não dos seus interesses, porque a paixão o atinge mais do que o arrasta.


Capítulo 8


O mar jamais se enche, embora receba a grande massa de água dos rios; da mesma maneira, o desejo de riquezas do ávaro jamais se sacia: ele o duplica e, imediatamente, deseja quadruplicá-los e não cessa jamais esta multiplicação, até que a morte venha pôr fim a tal interminável pretensão.


O monge sensato terá cuidado das necessidades do corpo e proverá com pão e água o estômago indigente; não adulará os ricos pelo prazer do ventre, nem submeterá sua mente livre a muitos senhores; com efeito, as mãos são sempre suficientes para satisfazer as necessidades naturais.


O monge que não possui nada é como um lutador que não pode ser golpeado fortemente e um atleta veloz que alcança rapidamente o prêmio do convite celeste.


O monge rico se regozija nas muitas rendas, enquanto que o que nada tem se regozija com os prêmios que vêm das coisas bem obtidas.


O monge ávaro trabalha duramente, enquanto que o que nada possui dedica seu tempo para a oração e a leitura.


O monge ávaro enche os buracos de ouro, enquanto que o que nada possui acumula tesouros no céu.


Seja maldito aquele que forja o ídolo e o esconde, da mesma forma que aquele que é afeto à avareza; com efeito, o primeiro se prostra diante do falso e inútil, e o outro carrega em si a imagem (10) da riqueza, como um simulacro.


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Notas:


9. Philargyria, ou amor ao ouro, ao dinheiro. Evágrio dá especial importância a este vício e apresenta seu demônio como particularmente astuto, pois apresenta ao monge uma série de raciocínios que fazem parecer a acumulação de bens como um ato de sensatez e prudência.


10. Para Evágrio, o apaixonado possui no coração a imagem do objeto que o domina.


IV. A Ira


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


IV. A Ira


Capítulo 9


A ira é uma paixão furiosa que, com freqüência, faz perder o juízo àqueles que têm o conhecimento, embrutece a alma e degrada todo o conjunto humano.


Um vento impetuoso não derruba uma torre e a animosidade não arrasta a alma mansa.


A água se move pela violência dos ventos e o homem irado se agita pelos pensamentos irracionais. O monge irado vê alguém e range os dentes.


A difusão da neblina condensa o ar e o movimento da ira torna nublada a mente do irado.


A nuvem que avança ofusca o sol e, assim, o pensamento rancoroso entorpece a mente.


O leão na jaula sacode continuamente a porta tal como o violento, em sua cela, quando é acometido pelo pensamento da ira.


É deliciosa a vista de um mar tranqüilo, porém, certamente não é mais agradável que o estado de paz; com efeito, os golfinhos nadam no mar calmo e os pensamentos voltados para Deus emergem um estado de serenidade.


O monge magnânimo é uma fonte tranqüila, uma bebida agradável oferecida a todos, enquanto que a mente do irado se vê continuamente agitada e não dará água a quem tem sede e, se a der, será esta turva e nociva; os olhos do irado estão arregalados e cheios de sangue, anunciando um coração em conflito. O rosto do magnânino mostra tranqüilidade e os olhos benignos estão voltados para baixo.


Capítulo 10


A mansidão do homem é lembrada por Deus e a alma pacífica se converte no templo do Espírito Santo.


Cristo recosta sua cabeça nos espíritos mansos e apenas a mente pacífica se converte em morada da Santa Trindade.


As raposas montam guarda na alma rancorosa e as feras se agasalham no coração rebelde.


O homem honesto se afasta das casas de mal conduta e Deus [se afasta] de um coração rancoroso.


Uma pedra que cai na água a agita, tal como um discurso maligno no coração do homem.


Afasta da tua alma os pensamentos de ira, não permita a animosidade no recinto do teu coração e não te perturbes no momento da oração; efetivamente, como a fumaça da palha ofusca a visão, assim a mente se vê perturbada pelo rancor durante a oração.


Os pensamentos do irado são descendentes das víboras e devoram o coração que lhes gerou. Sua oração é um incenso abominável e seus salmos emitem um som desagradável.


A oferta do rancoroso é como um doce cheio de formigas que certamente não encontrará lugar nos altares aspergidos pela água benta.


O irado terá sonhos perturbadores e se imaginará assaltado pelas feras. O homem magnânimo, que não guarda rancor, se exercita com discursos espirituais e, durante a noite, recebe a solução dos mistérios.


V. A Tristeza


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


V. A Tristeza


Capítulo 11


O monge atingido pela tristeza não conhece o prazer espiritual; a tristeza abate a alma e se forma a partir dos pensamentos da ira.


O desejo de vingança, com efeito, é próprio da ira; o fracasso da vingança gera a tristeza; a tristeza é a boca do leão e facilmente devora aquele que se entristece.


A tristeza é um glutão de coração e se alimenta da mãe que o gerou.


Sofre a mãe quando dá à luz um filho; porém, esta, tendo dado à luz, se vê livre da dor. A tristeza, ao contrário, enquanto é gerada, provoca fortes dores e, sobrevivendo, após o esforço, não traz sofrimentos menores.


O monge triste não conhece a alegria espiritual, como aquele que acometido por forte febre não reconhece o sabor do mel.


O monge triste não saberá como manter a mente na contemplação, nem brota nele uma oração pura: a tristeza impede todo o bem.


Ter os pés amarrados impede a corrida; assim é a tristeza: um obstáculo para a contemplação.


O prisioneiro dos bárbaros está preso com correntes; a tristeza amarra aquele que é prisioneiro (11) das paixões.


Na ausência de outras paixões, a tristeza não tem força, assim como não tem força uma corda se lhe faltar quem amarre.


Aquele que está atado pela tristeza é vencido pelas paixões e, como prova de sua derrota, vem acrescentada a atadura.


Efetivamente, a tristeza deriva da falta de êxito do desejo carnal, porque o desejo é co-natural a todas as paixões. Quem vence o desejo, vence as paixões; e o vencedor das paixões não será submetido pela tristeza.


O moderado não se entristece pela falta de alimentos, nem o sábio quando é atacado por um lapso de memória, nem o manso que renuncia a vingança, nem o humilde que se vê privado da honra dos homens, nem o generoso que sofre uma perda financeira; com efeito, eles evitam, com força, o desejo destas coisas, como efetivamente aquele que corajosamente rejeita os golpes. Assim, o homem carente de paixões não é ferido pela tristeza.


Capítulo 12


O escudo é a segurança do soldado e os muros são a [proteção] da cidade; mais seguro que ambos é, para o monge, a paz interior (12).


De fato, freqüentemente uma flecha lançada por um braço forte traspassa o escudo e a multidão de inimigos abate os muros, enquanto que a tristeza não pode prevalecer sobre a paz interior.


Aquele que domina as paixões se tornará senhor sobre a tristeza, enquanto que quem foi vencido pelo prazer não se desatará das suas ataduras.


Aquele que se entristece facilmente e simula uma ausência de paixões é como o doente que finge não estar enfermo; assim como a enfermidade se revela pela vermelhidão, a presença de uma paixão se demonstra pela tristeza.


Aquele que ama o mundo se verá muito afligido, enquanto que aqueles que desprezam o que há nele serão felizes para sempre.


O ávaro, ao receber algo ruim, se verá extremamente entristecido, enquanto que aquele que despreza as riquezas estará sempre livre da tristeza.


Quem busca a glória, ao chegar a desonra, se verá em dores, enquanto que o humilde a acolherá como que a um companheiro.


O forno purifica a prata impura e a tristeza perante Deus livra o coração do erro; a fusão contínua empobrece o chumbo e a tristeza em razão das coisas do mundo diminui o intelecto.


A névoa diminui o poder dos olhos e a tristeza embrutece a mente dedicada à contemplação; a luz do sol não chega aos abismos marinhos e a visão da luz não ilumina o coração entristecido; doce é para todos os homens o nascer do sol, porém também isto desagrada a alma entristecida; a coceira elimina o sentido do gosto tal como a tristeza subtrai da alma a capacidade de percepção. Porém, aquele que despreza os prazeres do mundo não se verá perturbado pelos maus pensamentos da tristeza.


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Notas:


11. Evágrio utiliza o termo Aikhmálotos, que significa "prisioneiro de guerra", porém, ao mesmo tempo, faz referência à aikhmálosia que, em sua teoria espiritual, é o estágio final de escravidão da alma aos demônios, que chega como conseqüência de deixar-se vencer sistematicamente por eles.


12. Outra vez, a Apátheia.


VI. O Aborrecimento


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


VI. O Aborrecimento


Capítulo 13


O aborrecimento é a debilidade da alma que irrompe quando não se vive segundo a natureza, nem se enfrenta nobremente a tentação. Com efeito, a tentação é para uma alma nobre o que o alimento é para um corpo vigoroso.


O vento do norte nutre os brotos e as tentações consolidam a firmeza da alma.


A nuvem pobre de água é afastada pelo vento tal como a mente que não persevera no espírito do aborrecimento.


O orvalho da primavera aumenta o fruto do campo e a palavra espiritual exalta a firmeza da alma.


O fluxo do aborrecimento expulsa o monge de sua morada, enquanto que aquele que é perseverante está sempre tranqüilo.


O aborrecido aduz como pretexto a visita aos doentes (13), coisa que garante seu próprio objetivo.


O monge aborrecido é rápido em terminar suas tarefas e considera um preceito sua própria satisfação; a planta doente é dobrada por uma brisa leve e imaginar uma saída [justificadora] distrai o aborrecido.


Uma árvore bem plantada não é sacudida pela violência dos ventos e o aborrecimento não submete a alma bem sustentada.


O monge que anda em círculos, como uma solitária fibra seca, está pouco tranqüilo e, sem querer, é interrompido aqui e acolá a todo tempo.


Uma árvore transplantada não frutifica e o monge vagabundo não produz fruto de virtude. O doente não se satisfaz com um só tipo de alimento e o monge aborrecido não se satisfaz com uma só ocupação.


Não basta uma só mulher para satisfazer ao voluptuoso e não basta uma só cela para o aborrecido.


Capítulo 14


O olho do aborrecido se fixa continuamente nas janelas e sua mente imagina que chegam visitas; a porta gira e ele sai, escuta uma voz e olha pela a janela e dali não se afasta até que, sentado, se canse.


Quando lê, o aborrecido boceja muito, se deixa levar facilmente pelo sono, pesam-lhe os olhos, deita-se e, tirando o olhar do livro, o fixa na parede e, voltando a ler mais um pouco, fatiga-se inutilmente ao final de cada palavra; passa, então, a contar as páginas, calcular os parágrafos, desprezar as letras e belezas de estilo; finalmente, fechando o livro, o põe debaixo da cabeça e cai em sono não muito profundo. Pouco depois, a fome desperta na alma e, com ela, todas as suas preocupações.


O monge aborrecido é frouxo para a oração e certamente jamais pronunciará as palavras da oração; como efetivamente o doente jamais carrega peso excessivo, assim também o aborrecido seguramente não se ocupa diligentemente dos deveres para com Deus: primeiro, porque lhe falta efetivamente a força física; segundo, porque estranha o vigor da alma.


A paciência, o fazer tudo com muita constância e o temor de Deus curam o aborrecimento.


Dispõe para ti mesmo uma justa medida em cada atividade e não desistas antes de tê-la concluído; reza prudentemente e com força, e o espírito de aborrecimento se afastará de ti.


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Nota:


13. Na tradição dos monges do deserto, o abandonar a cela era uma das principais tentações do aborrecimento. Visitar doentes era, portanto, a maneira de encobrir sob o manto da caridade o desejo de sair da solidão.


VII. A Vanglória


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


VII. A Vanglória (14)


Capítulo 15


A vanglória é uma paixão irracional que facilmente se enraíza em todas as obras virtuosas.


Um desenho traçado na água desaparece tal como a fadiga da virtude na alma vangloriosa.


A mão escondida no bolso apresenta-se inocente e a ação que permanece oculta resplandece com uma luz mais brilhante.


A hera adere à árvore e, quando chega ao ponto mais alto, seca-lhe a raiz; assim, a vanglória se origina nas virtudes e não se afasta enquanto não lhes tiver consumido as forças.


O cacho de uvas caído sobre a terra murcha facilmente e a virtude, se apoiada na vanglória, perece.


O monge vanglorioso é um trabalhador sem salário: esforça-se no trabalho, porém, não recebe qualquer pagamento; o bolso furado não guarda com segurança o que nele é colocado e a vanglória destrói a recompensa das virtudes.


A moderação do vanglorioso é como a fumaça na estrada: ambas desaparecem no ar.


O vento apaga a pegada do homem tal como a esmola do vanglorioso. A pedra lançada ao ar não atinge o céu e a oração de quem deseja comprazer aos homens não chega a Deus.


Capítulo 16


A vanglória é um obstáculo submerso: se chocas contra ele, corres o risco de perder a carga.


O homem prudente esconde seu tesouro tanto como o monge sábio [esconde] as fadigas da sua virtude.


A vanglória aconselha rezar nas praças, enquanto que quem a combate reza em sua pequena habitação.


O homem pouco prudente torna evidente a sua riqueza e faz com que muitos a queiram tomar para si. Tu, ao contrário, esconde as tuas coisas: durante o caminho, encontrarás assaltantes, mas, ao chegardes à cidade da paz, poderás usar dos teus bens tranqüilamente.


A virtude do vanglorioso é um sacrifício extenuante, que não é oferecido no altar de Deus.


O aborrecimento consome o vigor da alma, enquanto que a vanglória fortalece a mente daquele que se esquece de Deus, torna robusto o fraco e torna o velho mais forte que o jovem, mas somente enquanto sejam muitas as testemunhas que os assistem. Então serão inúteis o jejum, a vigília, ou a oração, porque é apenas a aprovação pública que excita o seu zêlo.


Não mostres tuas fadigas para colher a fama, nem renuncies a glória futura para seres aclamado. Com efeito, a glória humana habita na terra e na terra extingue-se a tua fama, enquanto que a glória das virtudes permanecem para sempre.


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Nota:


14. O termo Kenodoxía deriva de kenós "vazio, vão" e dóxa, "opinião": uma imagem de si que se projeta aos demais com base em valores inexistentes ou insignificantes por sua trivialidade.


VIII. A Soberba


Por Evágrio Pôntico


Tradução: Carlos Martins Nabeto


Fonte: VE Multimedios


VIII. A Soberba (15)


Capítulo 17


A soberba é um tumor da alma, cheio de pus. Se maduro, explodirá, emanando terrível fedor.


O resplandor do relâmpago anuncia o estrondo do trovão e a presença da vanglória anuncia a soberba.


A alma do soberbo alcança grandes altitudes e, daí, cai no abismo.


Sofre de soberba o apóstata de Deus, quando atribui às suas próprias capacidades as coisas bem sucedidas.


Como aquele que cai numa teia de aranha [e aí fica preso], assim cai aquele que se apóia nas suas próprias capacidades.


A abundância de frutos dobra os ramos da árvore; a abundância de virtudes humilha a mente do homem.


O fruto caído na terra é inútil para o lavrador e a virtude do soberbo não é aceita por Deus.


A cana sustenta o ramo carregado de frutos e o temor de Deus [sustenta] a alma virtuosa. Como o peso dos frutos quebra o ramo, também a soberba abate a alma virtuosa.


Não entregues tua alma à soberba e não terás fantasias terríveis. A alma do soberbo é abandonada por Deus e se converte em objeto de maligna alegria dos demônios. À noite, imagina manadas de bestas que o assaltam e, durante o dia, vê-se alterado por pensamentos vis. Quando dorme, facilmente se sobressalta e, quando vela, se assusta com a sombra de um pássaro. O sussurar das copas das árvores aterroriza o soberbo e o som da água destroça a sua alma. Aquele que efetivamente tem se oposto a Deus, rejeitando sua ajuda, vê-se depois assustado por vulgares fantasmas.


Capítulo 18


A soberba precipitou o arcanjo do céu (=Lúcifer) e, como um raio, o fez espatifar-se [junto com outros] sobre a terra.


A humildade, ao contrário, conduz o homem para o céu e o prepara para fazer parte do côro dos anjos.


"De que te orgulhas, ó homem, quando por natureza sois barro e pó e por que te elevas sobre as nuvens?


Contempla tua natureza, porque sois terra e cinza, e em breve voltarás ao pó, agora soberbo e, dentro de pouco, verme.


Para que elevas a cabeça que daqui a pouco cairá por terra?"


Grande é o homem socorrido por Deus; uma vez abandonado, reconheceu a debilidade da natureza. Não possuís nada que não tenhas recebido de Deus; não desprezes, portanto, o Criador.


Deus te socorre; não rejeites ao Benfeitor. Chegaste ao topo da tua condição, porém, Ele te tem guiado; tens agido retamente, segundo a virtude, e Ele te tem conduzido. Glorifica a quem te elevou, para permanecerdes seguro nas alturas; reconhece Aquele que tem a mesma origem que a tua, porque a substância é a mesma e não rejeites, por jactância, este parentesco.


Capítulo 19


Humilde e moderado é aquele que reconhece este parentesco; porém, o Criador (16) fez tanto a Ele como o soberbo.


Não desprezes o humilde: efetivamente ele está mais seguro que tu, caminha sobre a terra e não se precipita; porém, aquele que se eleva mais para o alto, quando cai se espatifa.


O monge soberbo é como uma árvore sem raízes e não suporta o ímpeto do vento.


Uma mente sem jactância é como uma cidade bem fortificada e quem a habita será incapturável.


Um sopro arrasta a pena e o insulto leva o soberbo à loucura.


Uma bolha [de sabão] levada pelo vento desaparece e a memória do soberbo perece.


A palavra do humilde adoça a alma, enquanto que a do soberbo está cheia de jactância.


Deus acolhe a oração do humilde; ao contrário, se exaspera com a súplica do soberbo.


A humildade é a coroa da casa e mantém seguro quem ali entra.


Quando te elevares ao topo da virtude, precisarás de muita segurança. Aquele que efetivamente cai, rapidamente se recupera; porém, aquele que se atira de grandes alturas, corre risco de morte.


A pedra preciosa brilha no bracelete de ouro e a humildade humana resplandece nas muitas virtudes.


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Notas:


15. O termo Hyperephanía provém do superlativo hypér e phaíno, "o que aparece": aquele que aparece como mais do que é, arrogância, orgulho.


16. Evágrio emprega o termo Demioyrgós que, na tradução grega, equivale ao trabalhador manual ou a divindade que criava o mundo a partir de uma matéria pré-existente. Parece que aqui é usado no sentido de "Deus Criador", embora esta acepção não seja totalmente clara.

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